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QUEBRANDO OS ARCOS: MAID

  • Foto do escritor: Stephanie Degreas
    Stephanie Degreas
  • 15 de dez. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 6 de jul. de 2022

(Este texto contém spoilers da série Maid)


Depois de um (não tão) breve hiato, seguimos QUEBRANDO OS ARCOS de séries de ficção. Para essa nova análise, escolhi a minissérie Maid, com estrutura e tom totalmente diferentes de Breaking Bad, a primeira série que dissequei por aqui.


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(Frame da minissérie Maid, com as atrizes Margaret Qualley e Rylea Nevaeh Whittet, disponível na Netflix.)


Para quem não lembra (ou não conhece),


Maid é uma minissérie de 10 episódios baseada no romance Maid: Hard Work, Low Pay and a Mother's Will to Survive, da xará Stephanie Land, e criada pela Molly Smith Metzler para a Netflix. Além de Molly, a minissérie também tem roteiros assinados por Bekkah Brunstetter (This is Us), Marcus Gardley (Z), Michelle Denise Jackson (Queen Sugar) e Colin McKenna.


A série Maid conta a história de Alex, uma mulher que tenta se libertar de um relacionamento abusivo com Sean, pai de sua filha. Alex começa a série em negação: como Sean nunca bateu nela, ela não acredita ser vítima de violência doméstica e não aceita a assistência que poderia receber do governo. Durante a história, acompanhamos sua busca por independência emocional e financeira, por um teto para viver e pela guarda da filha de dois anos, Maddy, que ela disputa com o ex. Além disso, Alex precisa cuidar de sua mãe, Paula, com transtorno bipolar não diagnosticado e vítima crônica de violência doméstica.


No primeiro episódio, Alex consegue um emprego como diarista que, junto com diversos auxílios do governo, permite o sustento (bem) básico para ela e para a filha. Descobrimos ao longo da série que a vida de Alex poderia ter sido bastante diferente: se não tivesse engravidado e decidido ficar com Sean, teria cursado a faculdade dos sonhos. O caminho que acompanhamos é o de uma personagem que se perdeu a tal ponto nas teias de seu abusador que é incapaz de lembrar qual era sua cor favorita antes de todo o tormento começar. Essa mesma mulher, ao final da série, estará com a filha a caminho da faculdade com que sonhou anos atrás.


Sempre lembrando que se trata da adaptação de um livro; instâncias da história precisaram ser repensadas para que ela coubesse no formato audiovisual. De acordo com Molly Smith Metzler em entrevista para a revista online da Motion Pictures Association, a The Credits,

"Nós criamos regras muito específicas sobre o ponto de vista de Alex e quando nós iríamos desviar dele, e a nossa regra era de que nós nunca desviaríamos a não ser que fosse para mover a história emocional adiante. Nós nunca desviávamos meramente por diversão ou sem uma boa razão, e nós seguimos este instinto até o final." (Molly Smith Metzler em entrevista para a revista The Credits. Citação traduzida por mim.)

De fato, como veremos a seguir, embora tenha uma trama central menos explosiva que Breaking Bad, Maid é estruturada para que todas as cenas movam a história de Alex. O formato escolhido para a narrativa ajuda a contá-la de maneira gradual e eficiente: em relação a um longa-metragem, uma minissérie permite mais tempo de contato com a personagem e, portanto, comporta mais eventos em sua trajetória. Ao mesmo tempo, diferentemente de uma série, a minissérie tem um arco fechado em uma temporada. Isso significa que a personagem pode sofrer uma grande mudança interna em menos episódios (falo mais sobre este assunto nesse vídeo aqui), já que a história deve mesmo acabar no último deles.


Na tabela que segue,


quebrei os episódios de Maid em colunas, destacando os principais pontos de virada de cada um. Já na horizontal, considerei os episódios individualmente como degraus do arco da minissérie como um todo, e atribuí a cada um deles uma função na curva dramática. Assim, o primeiro episódio, por exemplo, é a apresentação do conflito, e o penúltimo episódio, o clímax da temporada -- e assim por diante.


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Reparou como a trama de Alex é construída basicamente ao redor de dois eixos: moradia e guarda de Maddy? Do primeiro ao oitavo episódio, Alex e Maddy passam por oito "casas": a estação de balsas, o abrigo para vítimas de violência doméstica, o apartamento subsidiado, a casa do pai de Alex, o trailer de Paula, a casa perfeita que Sean arruina, a casa de Nate e o trailer de Sean, pelo qual Alex é novamente sugada. Isso sem contar o carro, onde ela dorme uma noite.


Se os objetivos da protagonista em geral estão relacionados à filha e a um lar, o que ela precisa fazer para pelo menos chegar perto de alcançar estes objetivos é aprender a priorizar suas necessidades em relação às das demais personagens, sejam elas a cliente ingrata, o ex abusivo ou a mãe. A relação com Paula, inclusive, explicita bem esta dinâmica: ao mesmo tempo em que internamente para Alex se trata de uma jornada por autonomia, em termos práticos ela se desdobra narrativamente na necessidade de encontrar abrigo. No sétimo episódio, por exemplo, o que dispara a trama A é a decisão de Alex de tentar reaver a casa da mãe, perdida para Basil, marido aproveitador de Paula. Mas percebemos o quanto a mãe tem o poder de desestabilizar emocionalmente nossa protagonista. No último episódio, o dilema final de Alex é viajar para Montana para cursar sua faculdade ou ficar em Fisher Island para cuidar da mãe, que está desabrigada.


Alex se transforma de filha, esposa e mãe passiva, sempre respondendo às demandas alheias, em uma mulher ativa, que não deixa mais que passem por cima de suas vontades. Temos uma pista disso logo no segundo episódio, quando a amiga de Alex, Danielle, a instiga a confrontar a cliente Regina, que se recusa a pagar por sua faxina. No último episódio, a questão levantada por Denise, coordenadora do abrigo e uma espécie de mentora para Alex, é também o que pauta todas as decisões de Alex e a questão dramática do episódio: o que aconteceria se ela deixasse de cuidar de Paula (complemento: e passasse a cuidar de si)?


Maid é bastante arquitetada em torno de conflitos internos e pessoais, que tendem a se resolver de forma simples, às vezes até anticlimática -- Sean resolve, sozinho, conceder a guarda de Maddy a Alex no último episódio; não precisamos acompanhar uma grande batalha no tribunal. No entanto, a jornada que seguimos é uma verdadeira montanha russa de episódio a episódio, certamente uma maneira estrutural de traduzir a instabilidade por que a protagonista está passando: vamos da fuga de um lar abusivo a um abrigo acolhedor, à perda da guarda da filha, a um apartamento só de Alex, à perda desse apartamento, à descoberta de uma casa melhor, à perda dessa casa, ao acolhimento por um cara que parece legal, ao surto da mãe, à volta ao lar abusivo, ao abrigo, à mudança para uma vida mais promissora em dez horas de narrativa. Os sinais mudam a todo momento, a história nunca para.


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Importante lembrar, no entanto, que por mais que estejamos analisando uma obra baseada em um romance, que por sua vez é baseado em fatos reais, ainda estamos falando de ficção. Enquanto Maid tem o poder, conforme objetivado por sua showrunner e criadora (vide entrevista citada acima), de mostrar ao público que o abuso não precisa ser físico para ser abuso, para muitas mulheres que passaram ou passam por situações semelhantes à da minissérie, o trajeto não é simples e o final nem sempre é feliz.


Em uma nota bastante particular, acredito na escrita que propõe as coisas como deveriam acontecer, na tentativa de inspirar mudança. Ainda assim, é importante lembrar que narrativas constroem desejos e visões de mundo. A maneira linear como a vida nos é apresentada na estrutura clássica não combina com a ordem dos eventos da vida real, mas desde o primeiro "era uma vez um reino" até uma série muito bem estruturada sobre um assunto complexo, entramos repetidamente em contato com a ideia de que trabalho duro e boa vontade geralmente resultam em sucesso. Em um país com 11 milhões de mães solo (segundo IBGE em 2020), das quais mais de 60% abaixo da linha da pobreza são negras, essa narrativa fica mais fácil de digerir da perspectiva dos privilégios e de uma possível empatia seletiva por uma protagonista branca. Para entrar um pouco mais afundo nesta discussão, recomendo esta coluna na revista Azmina.




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